Disfunção neuroquímica e o déficit no lobo frontal
No final dos anos 60 muito já era sabido sobre TDAH, mas a falta de nova evidência ligando a síndrome a bases biológicas começou a criar discussões sobre a existência da síndrome. Muitos acreditavam que o transtorno era uma tentativa de livrar os pais da culpa por filhos mimados e mal comportados. Depois deste período de incertezas, novas descobertas começaram a ser feitas ligando os problemas associados com o TDAH com certos tipos de neurotransmissores.
Em 1970 Kornetsky apud de Stubbe, 2000 propôs a hipótese de que o TDAH poderia estar ligado a problemas com neurotransmissores como a dopamina e a noradrenalina. Mais recentemente Carter, Krener, Chaderjian Nortycutt e Wolfe (1995), verificaram que as regiões que estão intimamente associadas ao TDAH quando se estuda o padrão de funcionamento cerebral da distribuição do neurotransmissor dopamina inclui o colículo superior, o tálamo, o lobo parietal, lobo frontal e o giro cingular anterior. Para melhor compreensão, Swanson, Posner, Cantwell, Wigal, Crinella, Filipek, Emerson, Tiucker & Nalcioglu (1998) elaboraram um esquema que apresenta de forma simplificada a correlação entre os sintomas do TDAH e as áreas cerebrais comprometidas (ver quadro).
Quadro. Correlação entre sintomas de TDAH e área cerebral envolvida.
Sintomas
Rede Neural
Dificuldade de sustentar atenção
Lobo frontal direito
Não termina as tarefas
Lobo parietal posterior direito
Evitam tarefas que requerem esforço mental prolongado
Lócus cerúleo
Distrai-se com estímulos alheios
Lobo parietal bilateral
Parecem não escutar
Colículos superiores
Falham em manter atenção a detalhes
Tálamo
Responde precipitadamente
Região cingular anterior
Interrompe ou intromete em assuntos dos outros
Região frontal lateral esquerda
Dificuldade de esperar a vez
Gânglios basais
Fonte: Swanson, J.; Posner, M.I.; Cantwell, D.; Wigal, S., Crinella, F., Filipek, P., Emerson, J., Tucker, D., Nalcioglu, O. 1998: Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder: Symptom Domains, Cognitive Process, and Neural Networks. In: Parasuraman, R. (ed) The Attentive Brain, Massachusetts, A Bradford Book, p.455.
Na década de 1980, vários autores como Mattes, Gualtieri e Chelune (1984) apud de Stubbe, especularam sobre o envolvimento dos lobos frontais no TDAH devido à semelhança de sintomas apresentados por pacientes de TDAH e aqueles que sofreram danos aos lobos frontais devido a acidentes ou outros problemas. Em 1984, Lou, Henriksen e Bruhn acharam evidências de uma deficiência de circulação sanguínea nos lobos frontais e no hemisfério esquerdo de pessoas portadoras de TDAH. Todos estes achados foram confirmados em 1993 por Zametkin e col. graças ao desenvolvimento de novas tecnologias como o PET (Tomografia por Emissão de Positrões), que mostravam o funcionamento do cérebro in vivo. Através de exame de PET comparativos entre pessoas diagnosticadas com TDAH e controles, Zametkin notou que o cérebro de pessoas com TDAH tinham um consumo de energia cerca de 8% menor do que o normal e que as áreas mais afectadas eram os lobos pré-frontais e pré-motores, que são responsáveis pela regulação e controle do comportamento, dos impulsos e dos actos baseados nas informações recebidas de áreas mais primitivas do cérebro como o tálamo e sistema límbico. Conforme estas novas evidências ficou claro que o TDAH estava realmente associado a alterações do metabolismo cerebral, acabando definitivamente com a dúvida sobre a real existência da síndrome e sua ligação biológica.
Diversos estudos utilizando técnicas especiais de neuro-imagem têm revelado um comprometimento do lobo frontal e de estruturas subcorticais (núcleo caudado e putámen) com elas relacionadas (Amen e Garmichael, 1997). Carter et. al., (1995) evidenciaram uma assimetria do córtex pré-frontal, o que implica em esclarecer que normalmente o córtex pré-frontal direito é ligeiramente maior que o esquerdo, e nesses pacientes haveria uma redução do córtex pré-frontal direito. Isso significa que o TDAH apresenta um hipo-funcionamento nas áreas onde se verifica a maior concentração de dopamina, reflectindo, assim, uma provável diminuição da acção da catecolamina fronto-estriatal, principalmente, no hemisfério cerebral direito (Amen e Garmichael, 1997).
Muitos pesquisadores acreditam que o TDAH é um problema de desequilíbrio químico no cérebro e estudo recente somados à aparente melhora obtido através da psicofarmacologia parecem confirmar esta hipótese (Castellanos, Giedd, Ellia al. cols., 1997b; Faraone al. cols., 1998; Swanson al. cols., 1998).
Dos vários neurotransmissores conhecidos acredita-se que estariam envolvidas no TDAH a dopamina e a noradrenalina. Fala a favor dessa hipótese o fato de que os medicamentos capazes de atenuar os sintomas de TDAH (em especial, os estimulantes psíquicos, como o metilfenidato e a d-anfetamina) serem substâncias que aumentam as quantidades de dopamina e noradrenalina disponíveis no cérebro (Castellanos, Giedd, Ellia, Marsh, Ritchie, Hamburger, Rapport 1997b; Comings, Wu, Chiu, Ring, Gade, Ahn, Macmurray, Dietz, Muhleman 1996).
Alguns estudos moleculares com foco no neurotransmissor da dopamina verificaram que os comportamentos impulsivo e compulsivo especialmente nos indivíduos com Síndrome de Tourette e TDAH estão associados ao gene da dopamina tipo “um” e “dois” (D1 e D2) (Knell e Comings 1993; Correia e Rohde, 1998; Swanson, Sunohara, Kennedy, Regino, Fineberg, Wigal, 1998). Esses genes (D1 e D2) foram os candidatos iniciais para as investigações, visto que a proteína transportadora é inibida pelos estimulantes usados no tratamento do TDAH. Outro gene do sistema dopaminérgico intensamente investigado neste transtorno é o gene do receptor D4 de dopamina (DRD4), foi observado a repetição do alelo-7 do gene DRD4 que pode estar associada com a variação da personalidade (humor) e “busca de novidades”. Além disto, o produto deste gene concentra-se em áreas do cérebro cujas funções são implicadas em sintomas da doença. As crianças com repetição desse alelo podem facilmente sentir-se entediadas na ausência de condições altamente estimulantes, apresentando aversão por situações demoradas e não gostam de esperar (Faraone, Biederman, Weiffenbach, Keith, Chu, Weaver 1999; Jesen, 2000; Swanson et. al., 2000, Swanson et. al., 1998,). Comings et al., (1996) e, Comings, Gade-Andavolu, Gonzalez, Blake, Wu, Macmurray (1999), verificaram que o gene da dopamina b hidroxílase (DbH) (genes do sistema noradrenérgico) tem sido associado a problemas sociais e de aprendizagem, comportamento oposicional desafiante e agressivo frequentemente observados em sujeitos com TDAH.
O gene DbH converte a dopamina em noradrenalina e baixos níveis desta enzima no sangue e têm sido associados ao TDAH e ao Transtorno de conduta. Esses estudos vêm a confirmar que não evidenciaram uma participação da serotonina no TDAH. Assim é que os agentes serotonérgicos, como fluoxetina e outros, embora possam ser úteis no tratamento de condições co-mórbidas, como distúrbios ansiosos e depressivos, não possuem efeito sobre os sintomas centrais do TDAH (Anderson, Dover, Yang 2000).
Para entender melhor esse estudo, será necessário rever os aspectos paradoxais do transtorno TDAH, são vários e entre eles cabe salientar dois proeminentes: o fato de não ser necessariamente a desatenção o sinal marcante (podendo ser a desadaptação, anti-sociabilidade e agressividade), bem como o fato de ser um psicoestimulante (metilfenidato e pemolina esse não disponível no Brasil) o fármaco que tem mais bem resultado no tratamento. O psicoestimulante que age preferencialmente no aumento de actividade da dopamina, poderia ser responsável pela activação de circuitos ligados à atenção e à sincronização do tálamo com o córtex frontal, mecanismo geral de atenção/concentração voluntária.
Porém, tanto a falta de atenção pode não ser o elemento predominante, como também o uso desses psicoestimulantes costuma desencadear um efeito calmante e não excitante, como seria de se esperar. O metilfenidato, bem como as outras drogas estimulantes de seu género, actuam bloqueando a recaptura de dopamina, o que, em princípio, tem efeito de reforço de actividade motora e/ou intelectual e dificilmente efeito calmante ou antidepressivo (normalmente ligados à acção em duas outras classes de neurotransmissores: noradrenalina e serotonina) (Bennett, Brown, Graver, Anderson 1999; Berman, Douglas, Barr, 1999; Biederman, Faraone, Mick, Moore, Lelon, 1996; Buitelaar, Van Der Gaag, Swaab-Barneveld, Kuiper 1995; Carom 1998, Zrull 1967, Zrull, Posnanski 1970).
Diante desses tantos aparentes paradoxos cabe uma consideração sobre cérebro e complexidade. Funções nervosas superiores, entre as quais destaca-se comportamento, aprendizado, sociabilidade, humor, pensamento e valores e tendem a interligar-se de tal maneira que o raciocínio pontual e linear pode adulterar e empobrecer a clínica e a pesquisa. Por ser fortemente não-linear a dinâmica de interacção de populações neuronais responsáveis pelas funções superiores, paradoxos nem sempre são assustadores, mas apenas indícios de complexidade e interactividade entre diferentes sistemas cerebrais e diferentes neurotransmissores (Carom 1998, Popper 1997).
Confirmando essa característica de um cérebro multiconectado e complexo, o que por vezes nos assusta diante das chamadas "reacções paradoxais", um artigo recente sobre TDAH vem trazer luz sobre o papel do metilfenidato e de outros psicoestimulantes semelhantes no tratamento do problema.
Gainetdinov (1999) publicaram o artigo "Role of Serotonin in the Paradoxical Calming Effect of Psychostimulants on Hyperactivity" (O papel da serotonina no efeito calmante paradoxal dos psicoestimulantes na hiperactividade). Os pesquisadores, numa série brilhante de experiências, conseguem seleccionar ratos que não possuem uma substância o DAT (dopamine transporter), que transporta a dopamina do neurónio para a sinapse e dali de volta para o neurónio que a produziu. Ratos com deficiência de DAT, o que pode ser obtido através de manipulação genética laboratorial, exibem traços marcantemente semelhantes aos da TDAH, incluindo hiperactividade e diferentes reacções diante de ambientes novos que exigem condicionamento, exploração e reacção cada vez mais rápida após o aprendizado.
Embora os ratos com DAT exibam altas concentrações de dopamina no córtex striatum (basicamente responsável por motricidade), mostra-se, através de uma série de experiências, que a acção de metilfenidato e outros psicoestimulantes não tem papel na dopamina e sim na serotonina, o que explicaria seu papel calmante. Não cabe aqui relatar a complexidade dos métodos empregados, embora se deva salientar sua elegância e consistência.
Diante desse fato, poderia apontar para um outro papel do metilfenidato no tratamento do TDAH, o que significaria ser mais bem substituído por drogas de acção directa na serotonina (fluoxetina, paroxetina, clomipramina, sertralina, etc.) o que não é totalmente verdadeiro em termos clínicos. Essas substâncias costumam ter resultados pobres comparados aos resultados dos psicoestimulantes. Uma possível solução conciliatória advém do fato de que são muitos os subtipos de receptores de serotonina no cérebro, o que poderia explicar o fato de uma droga agir em alguns deles e outra em outros; sendo, portanto, a primeira eficaz para o controle de hiperactividade e outra para o tratamento de ansiedade ou de compulsão alimentar (caso da sibutramina).
Embora os dados dessas investigações ainda não sejam definitivos, eles são consistentes com a ideia de que alterações dopaminérgicas e noradrenérgicas têm um papel importante na fisiopatologia do TDAH. Barkley (1997) propõe uma teoria para unificar tais sistemas; o deficit central no TDAH seria uma falha na inibição comportamental e, como consequência, nas demais funções executivas.
Essa falha causaria os sintomas vistos nos pacientes, como hiperactividade, desatenção e impulsividade. Ou seja, as experiências acima apontam novas direcções para a pesquisa no tratamento e farmacoterapia da TDAH, bem como mostra que muito mais que um distúrbio de atenção ou hiperactividade, o que está em jogo, como diz Barkley, uma das autoridades mundiais no problema, é um distúrbio de alocação de recursos cognitivos e automonitoração. Nesse sentido, cabe completar que a terapêutica dificilmente se limita à intervenção farmacológica, devendo-se acrescentar o processo psicoterapéutico.
O cérebro mostra-se assim complexo, neste caso no TDAH, em duas direcções: quer naquela em que os neurotransmissores e seus subtipos interagem de maneira que nos pode parecer paradoxal, como também na necessidade da intervenção objectiva orientada sobre o indivíduo e sobre seu meio, de modo a sanar o problema ou pelo menos compreendê-lo na sua totalidade e empreender todas as acções que diminuam suas consequências de baixa performance funcional.
Autor correspondente:
Lucinete Messina Golab
E-Mail: lucinetegolab@gmail.com
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Telefone Estado Unidos: 1 (786) 581-8421.
Terapeuta cognitvo-comportamental e neuropsicologa do Departamento de Neurociências e Comportamento do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – Brasil.